Um breve relato sobre minha vivência com a Longarina em busca das ondas e do sagrado feminino
Foram quatro dias entre as árvores da floresta, o canto dos pássaros, algumas ondas, tambores e silêncio.
Surf, produção independe, depressão pós-parto, óvulos congelados, pornô, tambor. Tudo isso, junto e misturado, num mergulho profundo em direção a mim mesmo.
O drop da onda, a nudez, o toque, a pele, o cheiro, o exercício do gozo, a cicatriz, a bunda, a pélvis, o mato, o oceano e a luta por um lugar ao sol.
A Longarina nasceu há cinco anos, fundada por uma espécie de musa com ares de imperatriz, Cris Brosso, e pela bondade e leveza do ser, a incansável Van Bertelli.
As surfistas, de olhos castanhos profundos, são responsáveis por conectar uma rede de cerca de 130 mil mulheres.
Quando pergunto à ambas quando foi o boom da Longarina, que fez com que se tornassem o fenômeno que são, elas se olham e ficam sem resposta. Cris indaga Van. Van ignora Cris, que por sua vez, está atarefada com mil coisas.
“Van, quando foi o boom?” Pergunta, Cris. Van finalmente me olha, faz uma breve pausa e dispara: “Boom? Quando? Desculpa. É que eu ainda não consigo relaxar e comemorar. Sei da nossa força, mas ainda é muito cedo pra celebrar qualquer conquista.”
A busca tem sido incansável mesmo. Foram milhares de nãos outras centenas de “vamos se falando”. Hoje, elas podem dar uma respirada, nos últimos meses a dupla fez encontros com marcas como Google, Avon e Rede Globo.
Porém, Van está coberta de razão. A luta é grande. Já que, as duas têm pela frente um mercado fechado, sisudo, marrento, bairrista e antiquado.
Feminismo, empoderamento, sagrado feminino e autoconhecimento – definitivamente – não fazem parte do vocabulário dos dinossauros que comandam ainda o mercado, muito menos dos coronéis a frente das federações e etc.
“No começo sofremos para aceitar que não éramos bem-vindas no pico”, diz Van com certo ressentimento no olhar.
“Quando a gente desencanou de falar com o mercado surfwear brasileiro parece que começamos a gerar algum interesse dele. Porém, nada significante até agora.” Completa.
De fato, a Longarina nasceu para falar com quem não entende muito de surf. E mais, com mulheres que não correspondem ao padrão de beleza ou aos estereótipos da gostosa da praia, tão cultivado por nossa sociedade.
A Longarina acolhe gente como você, eu, a mulher que foi trocada pela amante 15 anos mais jovem, a mais cheinha, a intelectual estranha, a nerd, a estrábica. E acolhe a gostosa também, não se engane. Entre tantas mulheres, o que domina é a pluralidade.
“Recentemente, pela primeira vez trabalhamos com homens, e apesar de ter sido difícil pra mim, no sentido de me comunicar mesmo com eles, foi muito interessante. Houve muito interesse da parte dos homens, que interagiram, perguntaram. Enquanto as mulheres se mantiveram quietas”, comenta Cris sobre o trabalho com uma grande marca.
A Longarina também trabalha para desconstruir conceitos sobre a rivalidade existente entre as mulheres. As palavras de ordem durante o encontro que durou quatro dias em Itamambuca, Ubatuba, foram: irmandade; sagrado feminino; mar e amor.
“Somos competitivas, o mundo e o mercado é assim. E pra piorar, a mulher tende a ter dificuldade de confiar em outra mulher”, diz Van.
Ao final do encontro vi muitas mulheres dropando a primeira onda da vida, levando os primeiros cortes, as primeiras quilhadas.
Foi muito divertido. Uma espécie de mergulho ao passado. Foi um compartilhamento geral de experiências, sentidos, visões, percepções e a vontade de celebrar a vida e agradecer sobre a dádiva que é ser mulher.
Vida Longa à Longarina!
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