Documentário “Quebrando o gelo”, estreia no canal OFF, e aborda, entre outros temas, a importância do esporte para a saúde mental

por Marcela Lima

O esporte sempre esteve presente na minha vida. Durante a infância, fiz natação e na adolescência eu era dos times de vôlei e handebol do colégio. Na universidade, fui atleta da equipe de tae kwon do. Aos 28 anos, quando eu era repórter de TV, durante a gravação de uma reportagem, conheci o surfe e me apaixonei. Desde então, virei praticante assídua e adepta dos board sports (esportes com prancha).

O prazer que as modalidades radicais como surfe, skate e snowboard me proporcionam, não são apenas um “combustível”, mas um poderoso remédio para a manutenção da minha saúde mental. Eu percebi isso quando fiquei uns meses sem praticar esporte algum em 2019, quando tinha acabado de receber alta do meu psiquiatra. Eu tratava depressão desde março de 2017 e em abril de 2019, terminei o desmame da medicação, que é quando você vai parando de tomar gradativamente.

Por uma tremenda falta de sorte, naquele mesmo mês tive uma torção grau 2 e rompi os ligamentos do meu tornozelo. Sem remédio e sem treinar, fiquei “doida” de vez. Hoje  lembro disso com humor, mas na época foi bem pesado. Voltei para a terapia, voltei a me tratar com psiquiatra e aos poucos fui saindo daquela escuridão que tinha me enfiado.

Mas a minha vida ainda estava meio “preto e branco”, sabe? Após umas sessões de fisioterapia, me livrei daquele bendito robô foot e pude subir numa prancha novamente. Ufa! Minha vida voltava a ficar colorida outra vez. É complicado explicar como uma pessoa com depressão se sente. Mas essa comparação com as cores me pareceu apropriada. A vida precisa ser colorida e divertida também. Nossa criança interior precisa brincar. Uma das formas que eu encontro para fazer isso é deslizando numa prancha, seja no asfalto, no mar ou na neve.

Por falar em neve, você deve estar se perguntando quando é que eu vou falar do documentário “Quebrando o Gelo”, né? Acho que agora que contei um pouquinho da minha história para você, dá para entender o significado desse filme para mim. Eu tive a ideia de fazê-lo quando estava me recuperando de uma das piores crises depressivas da minha vida naquele fatídico ano de 2019.

Durante as minhas sessões de psicanálise mergulhei de forma cada vez mais profunda para dentro de mim e a minha conexão com o esporte foi ficando cada vez mais evidente. Eu me curei (e me curo todos os dias) da depressão com a ajuda do esporte. Essa história de liberar endorfina não é mi mi mi. Ela é tão real e tão importante que é capaz de transformar vidas. Meu propósito ficou bem claro após essa crise: preciso contar ao mundo o bem que o esporte me faz.

Foi nesse contexto que uma amiga da faculdade me convidou para fazer uma clínica de snowboard, com ninguém menos que a ex-atleta olímpica Isabel Clark. Não só topei, como achei que a gente deveria criar um conteúdo sobre esse rolê. “Topa fazer um filme ou série, amiga?”, perguntei. E ela, que compartilha da mesma alma aventureira que eu, topou, claro.

O universo conspirou ao nosso favor. Após receber o “sim” mais importante, que era o da Isabel Clark, comecei uma busca por produtoras de filme e marcas com potencial para patrocinar nossa ideia.

Voltei a treinar pesado. Durante a semana fazia o funcional. Aos sábados e domingos, praticava snowboard no Ski Mountain Park, em São Roque, interior de São Paulo. Lá tem umas pistas próprias para esqui e snow feitas com tapetes de plástico. Detalhe, eu nunca tinha visto a neve. A primeira vez foi lá em Aspen, durante a gravação do filme.

Em questão de meses, aquela Marcela frágil e deprimida virou uma mistura de atleta com mulher de negócios, bem madura, que marcava reuniões com marcas grandes como a The North Face, que entrava e saía de prédios corporativos e apertava mãos de executivos. Não imagine que tudo foram flores nessa jornada. Pelo contrário, ouvi muitos nãos, houve produtoras de filme que tentaram me dissuadir. “Você não vai conseguir. É muito caro”, eles disseram.

Marcela, Nathalia e Isabel (da esquerda para direita) Foto: Soul Filmes.

Mas eu nunca perdi de vista o meu propósito. Eu acreditava muito naquele projeto e trabalhei incansavelmente para convencer outras pessoas da importância dele. Começando pelas minhas companheiras de equipe, a Nathália Reis e a Isabel Clark e os meninos da produtora Soul Filmes, Rafael Papa e Hugo Valente. Conseguimos apoio e patrocínio de mais de dez empresas e nosso sonho saiu do papel. O fim dessa história (e o começo da minha carreira como documentarista, quem sabe?) vocês podem ver no Canal Off.

O spoiler que posso dar é que o filme Quebrando o Gelo está lindo, com depoimentos de mulheres muito sinistras de todas as idades, brasileiras, gringas, anônimas e famosas como a cantora Anitta, que estava esquiando lá em Aspen. É um filme sobre empoderamento feminino no esporte radical. O Quebrando o Gelo é ousado, é radical, é gelado, mas é quente também.

Júlia e Isabel Clark, Fernanda Cechinel, Nathalia Reis e Marcela Lima. Créditos: Soul Filmes.
Créditos Soul Filmes.
Marcela Lima em Snowmass, Aspen. Arquivo pessoal