Pedro Kupfer pratica Ioga há 34 anos. Nasceu em Montevideu e se apaixonou pelo Brasil na década de 80, quando Florianópolis era uma comunidade tranquila, berço do surf e pico preferido entre hippies e viajantes em busca de liberdade. Surfista há 29 anos, hoje vive em Portugal e visita todos anos a Índia. Entre uma parada e outra, surfa e transmite seu conhecimento sobre Ioga, formando professores. Em meio à Mata Atlântica, Pedro falou sobre Ioga, meditação, política, surf e a busca pela felicidade.
Como você define o Ioga?
Ioga é uma forma de viver a vida para colocar em prática o ensinamento que diz que você já é a felicidade que está buscando. Esse é nosso ponto de partida. Tem gente que define como prática, ciência, arte, filosofia mas para nós é uma visão libertadora que vem acompanhada de um estilo de vida. Essa visão, por sua vez, tem um método para se transmitir, uma linguagem específica. Não se pode aprender Ioga por livros, você tem que estar ali com alguém e você não precisa ter visão, você precisa ter ouvidos.
E o surf, quando começou?
Foi no mesmo dia do desastre do Bateau Mouche, peguei um boadyboard de uma namorada que eu tinha na época e entrei no mar. Estava uma ressaca e as ondas estavam grandes, mas mesmo assim eu entrei. O salva-vidas veio até mim e disse que não entraria no mar para me resgatar caso eu me afogasse. No final deu tudo certo, e desde aquele dia comecei a compreender o surf, que é muito mais do que um esporte.
Como assim?
Vejo o surf como um prolongamento da espiritualidade, uma meditação em movimento. O surf, antes de ser um esporte, foi para os polinésios um ritual em que se repetia a viagem ao desconhecido, ao enigmático que se oculta no mar. Buscar a onda épica é uma maneira de transcender os medos e condicionamentos.
Em quais surfistas você busca inspiração?
O melhor surfista é aquele que tem o sorriso no rosto. Meu ídolo é esse cara. Respeito imensamente Carlos Burle, um gentleman dentro e fora d’água. E gosto da figura que é o Gerry Lopez, sempre sorridente e tranquilo como um bom yogi que ele é.
O Brasil enfrenta essa dicotomia entre direita e esquerda, além de haver grande descrença na política em geral. Como você acredita ser possível combater a corrupção generalizada e recuperar a autoestima do país?
Acho que a palavra é educação. Essa crise política foi uma coisa que me espantou a ponto de que, quase 30 anos morando aqui, eu disse que não queria mais e acabamos em Portugal. O que falta mesmo é educação. Porque o brasileiro tem tudo, olha aqui o que é esse lugar? Um país lindo, tem recursos naturais, tem terra firme, aqui não há tsunamis, terremotos nem furacões. Com a cultura vem a paz e se não há cultura não há paz. De cada cem humanos, dois morriam por causa de outro humano e isso evolutivamente piorou ao longo da história, até que na Idade Média a maior parte das pessoas morria porque alguém matava. Isso não é normal, e não deve ser aceito como algo natural. As pessoas não deveriam se matar por motivo nenhum, nem por violência doméstica, discussão, violência de gênero, nem por homofobia. As pessoas que matam por essas coisas são idiotas.
Você acompanhou o processo de Impeachment?
Sim, se você olhar para aquela Câmara dos Deputados e Senado aquilo é medonho. A eleição, há dois anos, foi a pior de todas. O congresso mais reacionário de todos. Aquela história das bancadas da bala, da bíblia e do boi é o maior retrocesso. E este Temer, com todo respeito, está acabando com os tímidos avanços sociais que os governos anteriores tinham feito. Eu não sou do PT, tão pouco do PMDB, aliás eu não voto, eu sou um estrangeiro que está interessado na política do país porque até recentemente eu morava aqui. Agora faz 3 anos que estamos mais lá do que aqui.
Para você as dificuldades são bênçãos, fale um pouco sobre isso?
Eu te conto uma história: Vem um cara e vai para um templo e pede iluminação. “Oh Deus dai-me iluminação”. E a partir daquele momento começa a dar tudo errado na vida daquele cara. Cansado da situação ele volta ao templo para falar com o “gerente”, e ali ele ouve uma voz que diz: Mas como você quer crescer se não é através das dificuldades e dos desafios? Tem um ditado que diz: “É na limitação que um mestre se revela”. Se você não tem um obstáculo, não vai nunca sair da zona de conforto. Se você olha para as dificuldades como oportunidades para crescer, então você tem a chance de que a vida se torne um processo de aprendizado, de amadurecimento e de maturidade interior. O sentido da vida é crescer.
O que é a felicidade para você?
A palavra felicidade em português se usa normalmente para definir uma emoção. Mas, temos uma palavra melhor para traduzir da linguagem do Ioga (Sânscrito), não é uma tradução subjetiva que eu estou dando para você, é o próprio ensinamento do Ioga. Temos o pêndulo emocional, no qual uma vida psíquica saudável suas emoções têm que flutuar, não podem ficar congeladas. Por exemplo, excesso de tristeza chama-se depressão, de alegria mania. Se juntar as duas tem-se o maníaco depressivo, concomitantemente, transtornos de humor e tal. Não vamos entrar nos termos da psiquiatria, mas felicidade é a essência que permanece na forma da calma, não importando em que momento desse pendulo emocional você está. Imagina que não é a alegria, a risada, não é o prazer que se tem com o surf, quando dança ou ouve uma música que gosta, mas é uma calma que permanece o tempo todo, que é constante e que não vem de fora. Às vezes, você olha para o tempo e diz: Que bom, está chovendo! Daí vem o paulistano e diz: Isso só acontece comigo, deu sol até ontem. Não se deve deixar de ser feliz por causa de eventos da meteorologia, bolsa de valores ou da política. Essas coisas não deveriam custar nossa felicidade.
E existe algo que deva custar nossa felicidade?
O que a pessoa se permite. Quero dizer, o ser humano tem o livre arbítrio e é uma ferramenta que nos separa dos outros bichos. As emoções, os bichos também têm: alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e nojo. Agora a capacidade de escolha é uma coisa que eles não têm. O ser humano tem dilemas éticos que dizem respeito à condição humana. E um desses dilemas é: Como vou usar adequadamente a minha capacidade de escolha? Porque vejo que faço coisas e depois me arrependo e então surgem sentimentos como culpa, remorso, mágoa porque fiz algo ou deixei de fazer, ou ainda porque os outros deixaram de fazer alguma coisa ou fizeram alguma que eu não queria, então o livre arbítrio é a ferramenta que o ser humano precisa aprender a manejar e aprender a usar isso é o que traz felicidade. O filósofo inglês Willian James dizia “Você tem tantas personalidades quanto as pessoas que conhece”. Reconhecer que você é essa felicidade, a essência que subjaz e está presente em todas e cada uma das representações é o segredo para você resolver essa charada. Você é essa calma, na qual os papéis acontecem e da qual, depois você se torna capaz de abstrair-se, no sentido de que, o sofrimento é sempre por causa das representações dos papeis. Quando se exerce o desapego, o distanciamento em relação aos papeis, então se está tranquilo.
Agradecimento especial para Samudrá YogaVillas em Itamambuca e Filipe Burjato.
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