Nada mudou. Mentira. Muita coisa mudou desde que deixei de ser um blog do WordPress, aquele que eu mesma montei, costurei aos trancos e barrancos, perrengues digitais, muitas vezes com a sensação de ser a pessoa mais burra do mundo ante a dificuldade de decifrar o mundo dos códigos de programação. Maldito mundo HTML. Jamais passou pela minha cabeça ser lida por mais de cem mil pessoas. E eu era feliz com meu cento e poucos leitores fiéis, era mesmo.
Hoje penso duas vezes antes de escrever o que estou sentindo e segundo especialistas isso é uma tragédia para qualquer escritor, seja de livros ou blogues. Imagine Clarice Lispector se censurando? Jamais haveríamos tido a chance de conhecer Macabéa e sua estrela errante. Eu entendo quando pessoas próximas a mim me aconselham não expor certas coisas, acho bonito e denota cuidado. Por outro lado, o que fazer de mim sem que eu possa ser eu?
Enquanto mais uma tragédia é anunciada por aqui, vizinhos gargalham ao redor, expondo uma felicidade que não faz o menor sentido pra mim diante da lama que invade as mais diversas mídias. Não há como fugir da tristeza e há de se aceitar com dignidade. O maior crime ambiental da história chama-se Mariana e agora a desgraça ganha um aliado, Brumadinho na também Minas Gerais, terra das dinastias tacanhas dos assassinos de colarinho branco. Mais um massacre na conta, mais uma vergonha para incluir nos livros didáticos, ou não, já que a censura sobre o que é ensinado no Brasil nunca precisou de Ditadura para acontecer. E por isso, agora, escrever sobre surfe nunca foi tão supérfluo, tão sem importância.
E aí que não tem onda? São mais de 200, sei lá quantos desaparecidos. Descobriram um pico novo. Assassinaram um inocente. Vai entrar um swell perfeito. Mataram mais uma mulher. O mar está clássico. Um índio foi assassinado. Vai ter estreia no canal. Alteraram a Lei de Acesso à Informação. Inventaram a prancha perfeita. Os milicianos estão virando heróis.
Tudo culpa do verão. A falta de ondas aumenta a sensação de vazio e desesperança que de repente me arrebenta o peito, causando uma falta de ar sentida por quem toma um caldo daqueles.
Diferente do penúltimo dia do swell, quando a felicidade me invadiu. Tinha onda, muita onda. Como é bom surfar e sentir a alegria por finalizar uma manobra, deslizar forte no ritmo certo em uma onda que te cobre a cabeça, isso traz tanta alegria que faz esquecer qualquer notícia ruim ou um comentário ofensivo. Aliás, era sobre isso que queria escrever, de novo aconteceu. Dessa vez com a Mari.
Depois de muito tempo voltei a pensar em como seria caso eu deletasse o blog, certamente me arrependeria, mas ao mesmo tempo sentiria algo como “ufa!” ou “foda-se, foi melhor assim”. Como um suicida que para se livrar de determinada dor ou frustração, com um ato extremo abdica de todo o resto a sua volta.
Ouvi hoje de uma amiga: quanto mais amo o surfe, mais odeio os surfistas. Eu não acredito nessa frase, realmente tenho esperança na humanidade e creio na existência de muitos surfistas do bem, seres que amam o que fazem, que usam o esporte como uma cura, que tem nele o sonho de uma vida melhor, ou melhor, que por surfarem têm de fato uma vida melhor. Por outro lado, entendo completamente a afirmação. Como tudo na vida, o surfe também tem seu lado ruim. Vaidade, disputa, inveja, injustiça, parcialidade, falta de respeito, tudo isso está presente na nossa “tribo” e cabe a cada um refletir sobre como agir no templo sagrado.
Já perdi a cabeça, entrei no barulho de gente que só queria meu mal, já fui fominha, já dei mole, mas a cada dia que passa olho mais para dentro e busco por sabedoria.
Na Indonésia, sabedoria é algo tão importante que existe uma Deusa para ela, curiosamente ela tem duas cabeças. Não vou me lembrar os detalhes da história dessa bela criatura, que me foi dita por um artista local no ponto mais alto do templo de Pura Bensaki, tido como a Mãe dos Templos Hindus. Sabedoria não tem nada a ver com dinheiro, não se compra como nos ensinaram a acreditar. Sabedoria é uma semente que nasce de amor, paciência ao ensinar, respeito mútuo, e principalmente conhecimento interno. Saber olhar para dentro de si e se aceitar é algo que só os sábios são capazes e certamente quando se aceita por completo se tem a tal iluminação, que nada mais é do que o estado pleno de paz.
É, leitor, leitora: não tem nada a ver com surfe. Fugi do assunto, mas volto a ele com um pedido aos que fizeram xingamentos horríveis mais uma vez nesse espaço, que desde o começo foi gerado na base de respeito e amor pelo esporte, peço por favor que se mantenham longe, ou se quiser chegar no mínimo nos respeitem.
Domingo parece que o mar vai subir, falou um amigo virtual, que deixou de ser nesse mesmo dia em que fui tomada pela alegria do surfe. Aliás encontrar alguém pessoalmente pela primeira vez, depois que se estabelece a tal amizade virtual é curioso, ainda mais no mar. Ao mesmo tempo que éramos desconhecidos havia uma empatia no ar talvez por conta de likes trocados. Foi bacana, meio sem jeito, mas em meio a ondas maravilhosas.
Viva o surfe e os surfistas do bem.
por Janaína
Legenda (imagem de capa): Foto mostra um pescador lançando a rede em meio a lama que invadiu Regência, um dos maiores paraísos do surfe brasileiro, consequência do maior crime ambiental que se tem notícia.
Governos insistem em afrouxar licenciamento, a melhor vacina contra desastres ambientais
Parabéns Janaína, belo texto. Siga em frente, sempre. Mesmo que o assunto não é o surfe, acompanho seu blog. A leitura de hoje está up to date, ou seja, surfando em cima da onda do noticiário mundial. boa sorte e boas ondas.
Obrigada pela mensagem, de verdade. Ultimamente dá até medo de receber um comentário… boas ondas e seguimos
Lindo texto… obrigada! Seguimos fazendo por amor. <3
seguimos bela <3
Parabéns pelo texto.
Acho que você deu voz para o pensamento de muitos..
Quantas pessoas perderam a vida, quantas pessoas perderam tudo, quantas pessoas perderam a esperança..
E agora? Tudo de novo?
Tomare que o desfecho seja diferente.
Punição para os culpados,pelas pessoas que perderam a vida.
Que as vítimas tenham chances de recomeçar a vida.
De ter esperança novamente..
Oi, Guilherme
Obrigada pela mensagem positiva :))
Nós também torcemos muito para que a lucidez, vinda de uma luz que emana muito amor, cure a cegueira crônica que toma o país.
Enquanto isso ‘fingimos’ que tudo isso é normal, e desabafamos quando possível, fazemos o mínimo para amenizar a frustração…
Um grande abraço e bom domingo pra vc
Obrigado pela retorno, mas nossa indignação fica por não aprendermos com os nossos erros..
Surf e natureza são as mesma coisa..
Mesma essência..
Por isso nos sensibilzamos com essa tragédia..
Vamos em frente.
Sucesso pra vc..
Abraço a todos..
Tua reflexão pode ser traduzida como um drop (entrada e descida) tardio, uma cavada suave, e um maravilhoso tubo!
Parabéns!!! Que a baforada, vinda dessa onda maravilhosa, possa mudar a maneira de pensar daqueles que visam o lucro, fazem gambiarra e promovem o famoso jeitinho brasileiro em detrimento da natureza e de vidas humanas!
Fala, Fernando
Boa excelente metáfora, vejo um talento aí para a escrita en!?
É isso, que algo aconteça logo e mude a forma de pensar do seres humanos, esse sistema está na UTI.
Bom domingo e muito surfe pra esse restinho de ano rsrs 🙂
Aloha show.e que Deus abençoe a todos.parabens
Maravilha encontrar seu blog e seu texto nesta manhã em que há ainda muita lama espalhada pelo Brasil. Vou te acompanhar. Parabéns. Muito bom.
Maravilha receber esse comentário e saber que você vai nos acompanhar, seja sempre bem-vinda Lari!
Boa jana
<3
Parabens pelo texto. Não tem como falar só de surf ne. Surf combina com espiritualidade,leveza, boas vibrações,qualidade de vida, ioga, meditação,viver o momento presente, atenção plena etc
Obrigada, Anderson! O surfe é quase tudo na nossa vida né?!