Fatos inimagináveis antecederam e decorreram o evento que inaugurou calendário recheado de novas etapas mundiais pelo Brasil
Teve mordida de tubarão, um quase desastre aéreo, casamento desfeito, seguidores perdidos, amizades abaladas, possível ex-global cagueta e até suruba com direito a milhões de “twitadas” a respeito. Tudo isso envolve Noronha, mas nada tem a ver com o mundial de surfe.
Notícia velha? Não é bem assim
Só dá Noronha. Ou só deu? Estou atrasada sim, eu sei e aí. Invejosos dirão que a notícia é velha. Eu direi que isso é um blog e que portal de hot news é o que não falta por aí.
Já por aqui, escrevemos sobre o que queremos (ou quase isso), na hora que der vontade, inspiração ou ainda quando a ocasião permitir.
Pelo menos desta vez tenho a desculpa de estar em São Paulo, fora de casa. Já passou da hora de ir embora, mas sigo por um dente. Era para ser só um dente, mas se transformou em uma dor graças a mão pesada do dentista que pareceu não se importar em ser truculento. Devo confessar que odeio dentista. Seria ele um torturador travestido de médico?
Viajo vinda da sessão-tortura-odontológica na cadeira do ônibus com a visão quase bloqueada. Dessa vez, não quero enxergar os abismos sociais nem nada que me desagrade como aconteceu em todos os rolês que fiz nesses seis dias em que estive na capital e longe do mar.
Pensamentos soltos chacoalham dentro da mente embalados pelo ritmo quase desenfreado do ônibus que trafega apressado pelo corredor. Penso que preciso escrever sobre Noronha, mas me atenho aos sentimentos que aquela breve viagem remete. Noto a destreza do motorista, que é bom, apesar de possuir um excesso de confiança que me desagrada. O ritmo caótico do busão embala minha confusão mental causada pela inconformidade sobre a espécie de agressão que eu acabara de passar há minutos naquela cadeira e a ansiedade sobre quando escreverei de novo por aqui.
Me tranquilizo ao pensar que em breve estarei em casa (e escreverei sobre Noronha?). A serenidade momentânea vai para longe ao ouvir uma longa e estridente buzinada, seguida de uma parada brusca do ônibus, capaz de lançar meu corpo com força e rapidez para frente, espero pela batida, me equilibro e agarro com força o bastão de ferro a minha frente. Me lembro dos “surfistas de trem” dos anos 80 e 90, que loucura era aquilo.
São Paulo é realmente intrigante. E sempre que visito a cidade me lembro da definição mais simples e sincera que já ouvi a respeito desse lugar.
Uma breve história antes de falar sobre Noronha
Durante um trabalho em que estive à frente como relações públicas ou assessora de imprensa, como preferir, ouvi um intelectual paulistano dizer sobre o encontro que teve com um respeitado pajé, mestre de uma aldeia Amazônica brasileira. A sentença resumia a megalópole de desigualdades abissais, em dois pontos: o bom e o ruim.
“O bom é que aqui homem não morre de fome, o ruim é que vocês mataram seus rios”, proferiu o ancião com total franqueza.
Apesar de caberem interpretações mais amplas sobre a “parte boa”, não há como discordar do sábio índio. Já que São Paulo foi, é e será a “terra das oportunidades”, do trabalho, do dinheiro.
E sobre os rios, bem, sobre eles realmente não há o que negar, apenas constatar que há tempos deixaram o status de curso de água doce para se transformarem em amplos corredores de merda a céu aberto.
Mas voltando ao que interessa: o mundial de surfe em Noronha
Apesar das boas ondas, clima de confraternização e a presença de grandes estrelas do surfe mundial, o evento em Noronha acabou ofuscado por situações bastante inusitadas.
Primeiro, antes mesmo do início do aguardado evento, um “ataque” bizarro de tubarão quase arruinou a futura-reputação do campeonato, ameaçada por um tubarão que ao ser atingido por um praticante de bodyboard, reagiu dando umas dentadas no rapaz. “Aqui não meu chapa”, teria dito o dentuço.
Pois bem, depois do “ataque invertido” de tubarão houve uma quase tragédia aérea. Por pouco o mundial de surfe em Noronha não se transforma em uma cruel e quase inesquecível estatística, dando possivelmente fim a algumas vidas humanas.
Um evento pra ninguém botar defeito
Passado o susto da quase-tragédia, o mundial de surfe em Noronha seguiu pleno e afiado. Como bem disse Roberto Perdição durante a transmissão ao vivo do evento. “O cronograma está cirúrgico”, falou o diretor da sede da WSL na América Latina, que fez questão de lembrar da importância de uma boa equipe para o sucesso da empreitada.
É verdade que a presença de Gabriel Medina também abrilhantou o show. Porém, além do habitual frenesi midiático que o bicampeão atrai, o mundial de surfe em Noronha torna evidente que há muito mais brilho e motivos de orgulho (por que não?) aos fãs do esporte no país.
Afinal, mostrou-se que o Brasil acumula inúmeros talentos, se são desperdiçados, subestimados ou subjugados não convém discutir agora, mas que existem e são muitos, é inegável.
E que além de atletas extraordinários, há profissionais capacitados e dispostos a organizar eventos mundiais e assim retomar a imagem do esporte, que um dia parece ter sido perdida, entre calotes, malandragens e jeitinhos.
Uma final digna de CT
A final disputada entre o ultratalentoso Yago Dora e o incansável Jadson André, não deixou nada a desejar. Aliás, por que não afirmar que poderia muito bem ter sido uma final do circuito principal?
Nascido no estado do Rio Grande do Norte, um dos maiores celeiros de talentos desperdiçados do Brasil, a vitória de Jadson tem um sabor distinto, já que o surfista foi considerado por muitos como carta fora do baralho, especialmente depois de ter perdido sua vaga entre os melhores do mundo (CT) em 2017.
Tido como um dos surfistas mais queridos do torneio mundial, o surfista natural de Natal (RN), já atuou inclusive nos bastidores da Liga (WSL). Ano passado, Jadson conquistou o incrível feito de retornar ao circuito e figurar de novo entre a seleta lista dos 34 melhores. Há quem diga que é mais difícil voltar ao CT, do que entrar nele pela primeira vez.
Noronha mostra que Jadson André está em plena forma, com talento e capacidade de sobra para desbancar fenômenos mundiais, inclusive. O evento também chancela a retomada do profissionalismo do esporte e quem sabe inspira outras marcas, que faturam milhões com o surfe, a dar ao esporte um retorno praticamente obrigatório.
Sabemos que campeonato não vende camiseta. Mas o espírito do esporte deve ser respeitado e os representantes dele merecem sonhar com a possibilidade de viverem como surfistas profissionais. É urgente a permanência sólida de um circuito nacional inclusive, apesar das etapas mundiais serem mais do que bem vindas.
por Janaína
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