Surfista que se preza não dá a mínima para o Carnaval, a não ser por uma única razão. Diz a lenda, que no Carnaval sempre tem onda boa. E como lendas não passam de lendas, óbvio que isso não pode ser levado a sério.
Quando comecei a surfar deixei de lado qualquer resquício ou tentativa de me tornar uma pessoa da noite. Mas, sempre gostei do Carnaval. Não esse de bloquinhos, nem de Desfiles de Escola de Samba, mas de Carnaval de Salão.
Em Garça, cidadezinha do interior paulista onde cresci, era tradição curtir o feriado prolongado do Carnaval no Garça Tennis Clube, lá tinha salão, confete, serpentina, banda ao vivo e desfile de fantasia. Era uma festa vestir a fantasia de carnaval e participar do concurso. Alegria interrompida todas as vezes em que o locutor anunciava as vencedoras. Jamais fiquei em primeiro, amargando sempre o segundo ou terceiro. Houve um ano em que minha mãe caprichou, era de melindrosa, mesmo com todo empenho maternal, acabei em segundo.
A infância deu lugar à adolescência e à São Paulo, então o Carnaval de Salão e suas marchinhas politicamente incorretas – mas que naquela época pouca ou nenhuma atenção dava-se a isso –, ficou para trás.
Algumas amigas adoravam planejar viagens à Salvador, comprar abadás ou fantasias de alguma escola de samba do Rio. Mesmo tempo em que houve a explosão do Axé Music (e aí sim, com suas letras politicamente surreais), que motivavam a criação de coreografias embaladas por asneiras como “pinto do meu pai”, “boquinha na garrafa” e “danças da manivela”, que fase!
Mais tarde, uma paixonite aguda me apresentou aos ensaios da Rosas de Ouro e foi no barracão da Vila Albertina que a emoção do Carnaval ressurgiu.
A paixão não vingou, mas o samba enredo da escola tinha lugar no meu coração ano após ano. Em todos, jurava que no seguinte sairia na Avenida, mas veio o surfe com força. Então, na hora do vamos ver e pegar a tal fantasia pra sambar na avenida, acabava me mandando pro litoral.
E assim, de uma hora para outra, o Carnaval virou sinônimo de feriado de surfe prolongado e nada mais muito além disso.
Apesar de amar o ritmo da bateria, de sambar muito bem (modéstia a parte), troquei os batuques pelas batidas (manobra), o som dos tambores pelo ruído místico das ondas em movimento, a dança frenética sobre o salto alto pela destreza em deslizar sobre as ondas com os pés calçados em parafina.
Todo Carnaval tem seu fim
Finalizar um texto é sempre uma incógnita, diferente de um Carnaval que sempre termina em quarta-feira de cinzas. O vizinho bate o gelo na esperança de encontrar a felicidade, enquanto eu reluto em aceitar críticas.
“Acabou muito seco”, “Achei que falaria mais de surfe”, ele diz.
Filipe sempre lê os textos antes de serem publicados. Minha atitude ao compartilhar com ele meus pensamentos é uma mistura de democracia com pura insegurança. Faço jus a minha fraqueza, já que a última vez, na qual publiquei um texto sem que ele tenha lido antes, foi traumatizante. Senti naquele dia o poder do termo “viralizar” na rede. Eu gostei, não me leva a mal, mas a velocidade dos números foi um pouco demais.
Ele chega dizendo “Amor, eu vou surfar. Tem uma valinha, pô! Você não vai??”
Viva o Carnaval dos surfistas.
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