Não sou da capital, muito menos do litoral. Por isso, uma surfista tardia. Apesar de ter vivido grande parte da minha existência em SP, nasci em São Bernardo do Campo, morei em Porto Alegre, e em Garça, interior paulista, onde cresci e passei uma infância quase perfeita.

por Janaína

Quase, afinal, nada é perfeito. Nem a infância de uma criança branca, privilegiada, crescida em uma cidade toda arrumada e vivendo em uma “senhora” casa.

Embora fosse livre, vivesse entre cachoeiras e barrancos de lama (era a brincadeira favorita: descer barrancos de lama quando chovia e depois se lavar nas enxurradas, acho que já queria dropar umas ondas quando despencava ladeira abaixo). Cresci com pais separados e a mais de 600 km de Itamambuca, lugar onde vivo e surfo.

Apesar da ausência de quem me gerou e pariu, fui rodeada de amor, aprendi desde cedo o poder do afeto. Fui sortuda à medida que avós, avôs, tios, tias, primos e primas davam conta de preencher o espaço vazio. Todo filho único de pais separados tem suas lacunas sentimentais.

Mas, talvez a maior falta nessa infância tenha sido a do mar.

Aos 33 anos dei adeus a esta distância, a vida de surfista de final de semana, visões de concreto de todos os dias. 

Me despedi do trânsito caótico, do barulho frenético e do ritmo incessante dessa cidade que não pára nunca. Aliás, a única vez que vi essa cidade silenciada foi de um pânico só.

Apesar de tê-la deixado não me atrevo a criticá-la. Foi ela quem me deu grandes experiências profissionais, me preparou para um período de isolamento e zero surfe de quase dois anos em Perth. Então, devo um tanto a ela. 

Em contrapartida, hoje, com quase quatro anos completos longe de São Paulo, consigo sentir a diferença

Não foi o surfe

A grande vantagem de ter trocado São Paulo por Ubatuba não foi surfar com frequência. Claro, esse ponto foi importante e talvez a motivação. “Surfar todo dia, já pensou?!”

Nesse período, dormindo e acordando próxima do mar e do mato, constatei que o convívio com o verde e a água, seja doce ou salgada, tem sido a grande maravilha dessa mudança radical.

Não tem nada a ver com surfar todo dia. E acho engraçado essa paranoia que abate certos surfistas. A tal da fissura e “tempo de casa” que mede se o sujeito é realmente surfista ou não. Uma competição medíocre que pretende desclassificar quem está começando a surfar, como se quem não surfasse há tantos anos não merecesse respeito.

Um empresário muito estabelecido no ramo do surfe me disse um dia “Parabéns por ter chegado agora e já conquistado esse espaço (blog na Folha)”. Em outras palavras, acho que o que ele queria dizer era: “quando você nasceu já bancava eventos e atletas.” 

Mas estar em um ambiente dominado por homens e enfrentar críticas por simplesmente escrever sobre surfe não é algo reservado a mim. 

Desde que o mundo é mundo escritoras são acusadas, agredidas, menosprezadas como bem escreveu essa semana a autora e mestre em filosofia política Djamila Ribeiro. 

Por isso, é fácil se tornar uma vítima da síndrome do impostor. Se você der uma passeada por este blog vai perceber a quantidade de gente disposta a fazer críticas. Já me importei, “bati boca”, passei recibo, hoje confesso que me divirto com os comentários.

De novo, olho em volta, vejo esse lugar em que vim parar e quase não acredito. Que sorte a minha!

Nosso quintal de casa. Foto Filipe Burjato.