Maya Gabeira concedeu entrevista que foi ao ar há alguns dias. Na conversa, a recordista mundial e precursora do surfe de ondas grandes no mundo, narra o acidente em Nazaré, que a “matou” por alguns minutos. Acompanhada pelo parceiro da época, Carlos Burle, Maya foi retirada da água e reanimada na areia. As cenas perturbadoras deixaram uma marca na história do surfe de ondas grandes, certamente. Na época, falou-se da capacidade técnica de Maya e da responsabilidade de Burle no acidente.

Mas a razão pela qual me faz escrever esse texto não é falar o que aconteceu ou deveria ter sido feito, mesmo porque os fatos ocorreram diante de câmeras, também não é a intenção julgar, muito menos sentenciar culpados. Apesar de algumas manchetes usarem  termos como “Maya culpa Burle”, honestamente, assisti à entrevista algumas vezes e não senti essa intenção propriamente dela, mas a vontade de falar sobre como se sente e sentiu em relação aos fatos por ela vividos. Afinal, é direito dela falar sobre qualquer passagem da sua vida, inclusive e especialmente esta. Ou não?

“Eu vi aquela onda gigante quebrando a 500 metros ou mais para dentro do oceano e tentei acenar para Carlos com a corda. Mas à medida que nos dirigimos em direção às ondas eu tentei acenar a ele, porque eu estava um tanto insegura, mas ele me pressionou um pouco me passando coragem, mas também, você sabe, dizendo “você precisa ir”, tipo: “trabalhe sua mente”. Então senti a pressão, e perguntei “ você acha que devo ir nessa onda? Sim, é claro, você consegue!, ele disse. Eu acho que não escolheria essa onda hoje em dia. Escolheria uma onda melhor, mas nós não tínhamos muita experiência.”

Maya em entrevista ao jornalista Graham Bensinger

Assim, o primeiro ponto a ser apresentado aqui é justamente sobre o simples direito que a surfista tem de se manifestar. “Ah, mas ela não precisava ter dado essa entrevista”. Bem, uma vez pessoa pública, ela pode e deve sim dar entrevistas. Eu, talvez você, contamos nossas tragédias e dilemas da vida aos amigos, psicólogo (se fizer parte da bolha dos privilegiados) ou até para desconhecidos. No caso de Maya Gabeira, ela dá entrevista.

Partindo desse ponto, trago reações que ouvi de homens especialmente, sobre a entrevista de Maya Gabeira. Listo então, reações que considero vindas talvez de um zoológico, lugar normalmente ocupado por seres considerados por nós como irracionais.

  1. Ela não é capaz

Um clássico. Uma das frases mais usadas na hora de deslegitimar uma mulher ou uma ação qualquer dela. Estimular o descrédito quanto às suas habilidades, tornando-a uma espécie de incapaz, burra; na verdade a afirmação é uma das mais antigas teorias defendidas por estudiosos machistas como Darwin, por exemplo. Nada novo.

  1. Conheço o passado dela

Essa é certamente uma das formas mais escrotas de deslegitimar uma mulher, pois diz respeito muitas vezes às questões sexuais dela.

  1. Traidora mimada

É tipo uma espécie de bruxa moderna. Na inquisição já queimavam mulheres poderosas, hoje alegam que não passam de traíras,  filhinhas de papai, dominadoras da mente de homens pobres coitados que são apenas infelizes vítimas.

  1. Quem é você para falar alguma coisa

Essa também está atrelada à classe social, e pode ser usada entre homens e mulheres. Quem não se lembra do morador de Alphaville humilhando um policial militar? Esse tipo costuma ser um dos piores representantes da “classe machista”, no caso, figurinha carimbada do agressor doméstico.

  1. Metida, arrogante, futriqueira, louca, vadia, etc.

Vale tudo meus queridos, o negócio é xingar de tudo que é nome mesmo. O louca é sem dúvida um dos mais danosos, pendendo para a agressão emocional. Garota, se você namora um boy que te chama de louca e faz você se sentir culpada o tempo todo, fuja! Você tem um agressor emocional ao seu lado.

Por fim, nem você, nem eu, nem ninguém é obrigado a gostar de Maya, ou não aceitar que sim, ela é uma mulher privilegiada. No entanto, tudo o que ela conquistou e ainda vai conquistar no surfe de ondas grandes não deve jamais ser ofuscado por machismo, egocentrismo ou qualquer coisa do gênero. E independente de recordes e fama mundial (talvez só Gabriel Medina tenha alcançado, entre brasileiros, tamanho destaque na mídia internacional como ela), Maya merece todo respeito.

Aos que acharam a resposta de Burle genial, digo que a mim, ela pareceu regada de superioridade e quase que inebriada por um ego do tamanho das ondas de Nazaré.

PS.: a presença de Sebastian Steudtner não era necessária, visto que mais uma vez parece que é preciso a opinião masculina para tornar legítima a versão da surfista.