Carlos Burle é um dos surfistas mais conhecidos e respeitados internacionalmente e dentro do território nacional. Não é para menos, já que o surfista de ondas grandes, nascido no Recife (PE) e radicado no Rio de Janeiro, acumula uma série de conquistas e títulos.

Burle foi o primeiro brasileiro a participar do seleto e tradicional evento Eddie Aikau, no Havaí; ganhou menção no Guinness, o livro dos recordes, ao surfar na remada um monstro de mais de 20 metros, em um dos picos mais desafiadores do planeta, Maverick’s; participou de um dos momentos mais delicados, em Nazaré, ao resgatar Maya Gabeira; surfou ao lado do então parceiro Eraldo Gueiros, a oceânica Cortes Bank, a 100 milhas da costa de San Diego; teve sua primeira (e talvez única) biografia lançada em 2017 pela editora Sextante: Carlos Burle – profissão: surfista.

No último sábado (08), durante o lançamento oficial da Surfland Brasil, em Garopaba, Burle falou com este blogue sobre sua expectativa como embaixador do projeto, o poder das ondas artificiais, evolução pessoal e como enfrentou os preconceitos por sonhar com uma carreira de surfista profissional.

Você é um atleta extremamente experiente e que já enfrentou condições superdesafiadoras, como é pra você fazer parte desse momento do esporte, como embaixador de um projeto que trará a Wavegarden Cove à Garopaba? É emocionante. Sou um cara que vive a vida intensamente e gosto de acompanhar a evolução do esporte. A Surfland tem tudo a ver com meu grande sonho de vida, que está acima do surfe e da profissão. Sempre busquei qualidade de vida, saúde, Natureza, praticar esportes, ter uma mente livre, acesso a informação de qualidade, espiritualidade e equilíbrio emocional. Pensar tudo isso só para você é egoísmo, então quero que outras pessoas também tenham acesso a tudo isso. Primeiro você pensa na família, depois nos amigos. Na realidade a gente gostaria que o mundo todo tivesse acesso a essas coisas. Porque pessoas equilibradas emocionalmente não guerreiam nem saem de casa para fazer o mal. O mais importante para mim é acreditar que a Sulfland é democrata. Dá acesso. Muito mais que uma piscina de ondas ou um ‘VIP wellness center’. Não deixa de ser uma ferramenta para divulgar valores e isso me dá tesão, me deixa feliz.

Antigamente eu me questionava: será que eu tenho que ser diferente para dar certo nessa sociedade?

Carlos Burle

Já surfou na Wavegarden? Já sim e achei demais. Surfei em uma que era um protótipo da “Cove”, com 15% da capacidade do que a da Sufland vai oferecer.

Como é a velocidade da onda na piscina? Ela tem uma velocidade legal de uma onda de performance, que é possível ser mais tubular, menos. Isso acho muito legal porque a onda pode ser adaptada para um profissional ou para um iniciante e vai permitir que a família inteira surfe. É uma onda longa, que dá a chance de dar aquela ajeitada na base, testar novos equipamentos ou treinar insistentemente uma manobra. Honestamente, eu acho a onda a “cereja do bolo”, mas para mim o conceito todo é muito mais importante. A onda é incrível, mas não faria tanto significado para mim se não fosse o projeto todo. Estamos falando na possibilidade de desenvolver projetos sociais, fazer a diferença em comunidades locais, um local de treino para as futuras gerações, congressos, palestras, mil coisas que podem acontecer nesse lugar. Eu detesto ficar “engessado”, minha palavra favorita é liberdade.

E sua vida hoje Burle, olhando para trás, qual a análise que faz até aqui? Sabe quando você olha e pensa: tudo que eu queria da minha vida eu tenho. Na verdade eu tenho muito mais do que esperava. Minha vida é agradecer. Acordo agradecendo e vou dormir agradecendo. Estou rodeado de elementos que eu amo. Quando comecei a surfar e falava que eu ia ser surfista, meu pai dizia que eu terminaria minha vida empurrando carroça e catando lixo. Quando eu colocava um arroz integral na mesa as pessoas diziam que era comida de passarinho. Tinha todas aquelas manias, que as pessoas julgavam, achavam esquisito e me deixaram doente durante um tempo, mas eu persisti e fui atrás de autoconhecimento e busca pela evolução, do tripé corpo, mente e espírito. Hoje eu vivo isso. Sou mais saudável fisicamente, espiritualmente e emocionalmente, realizado profissionalmente e financeiramente, tenho abundância, uma família muito legal e consigo ser eu mesmo. Hoje não visto máscaras. Antigamente eu me questionava: será que eu tenho que ser diferente para dar certo nessa sociedade? Mas não, inclusive hoje os valores estão mudando.

Sua biografia traz detalhes da sua vida que, de uma forma ou de outra, é preciso ter certa coragem para expor. Como foi essa decisão? Poder ser quem eu sou e conversar com uma pessoa que me conhece me deixa muito feliz. Uma coisa é admirar o personagem, outro admirar a mim. Isso sempre foi minha preocupação, no sentido da minha própria evolução. O ser humano ainda vive muito “para fora”,  externo, imagem. É lógico que você se arrumou para vir à festa e eu também, mas o externo é apenas um caminho, que leva a gente para dentro. Aprendi que temos que trabalhar muito o interior, que a felicidade não depende do campo externo e sim do que está dentro da gente. No livro eu tinha duas opções: ou eu vestia uma máscara ou mostrava quem eu de fato sou. Pensei: eu não vou escrever duas biografias na vida. Então estaria perdendo uma oportunidade e meu tempo, fazendo com que as pessoas perdessem o tempo delas. Acredito que quando você é sincero, você está retribuindo para o meio. Nada melhor do que você ouvir a opinião sincera das pessoas também, isso te faz evoluir. Se doar de coração e alma para que alguém tenha uma experiência gratuita a partir da sua vivência é especial. Agora se eu fico mentindo, me pintando de super-herói, vou perder tempo.

E a vida é curta demais, tem razão. Onde você mora hoje Burle? No Rio e você?

Em Ubatuba. Ubatuba! Nossa que delícia! Adoro Ubatuba.

Burle, você surfa todos os dias? Tento. Faz uma semana que surfei, minha família chegou morrendo de saudade, aí o filho está de férias, acorda leva o filho à praia, aí não surfa, né? Mas, tudo bem. Estou de cabeça feita. Desde que me conheço por gente sou pago para surfar. Vivi minha vida inteira pegando onda. A vida não é só surfe. Pelo amor de Jesus Cristo (risos). Tem gente que me pergunta: nossa, você não faz kite (surf), não faz isso, aquilo?! Eu quero ler, quero ter tempo para fazer outras coisas

O que você está lendo? É sobre a história do Moby Dick, é muito legal. Se passa em 1800, quando caçavam-se baleias para a utilização do óleo em lamparinas e etc. tudo acontece em uma Ilha, é uma viagem o livro, muito maneiro.

Burle, você gostaria de acrescentar mais alguma coisa à entrevista? Estou muito feliz com a Surfland, porque ela dará acesso a muita gente, a partir desse modelo de negócio, fracionado. Tem um preço acessível. Lógico que não dá para todo mundo, mas poxa o caminho é esse. Porque quando você vai ‘construindo muros’ você separa os seres humanos e isso não é legal, eu quero que a Surfland seja uma ponte enorme para conectar nossos valores com o resto do mundo.

Obrigada, Burle! Obrigado você!

Burle durante festa de lançamento da Surfland Brasil em Garopaba. Foto Renato Leal.

por Janaína

Crédito das imagens: Marco Dutra / Renato Leal / Nave Comunica