Recentemente fui convidada para acompanhar um grupo de surfistas iniciantes que participava de um programa de treinamento de surfe exclusivo para mulheres. 

Em uma bela casa, numa belíssima praia, senti o que acontece nessas clínicas de surfe para mulheres.

Foi poderoso e potente, como já escrevi em texto anterior, mas custou algumas dores e é sobre isso que reflito. 

Em resumo escrevo sobre a culpa materna, essa estranha sensação que só mulheres que têm filhos e especialmente as que amamentam sentem (livre demanda, então, vixe maria).

A culpa materna de uma mãe surfista

Eu não deveria estar aqui; como será que ele tá; meu peito tá enchendo de leite; ele deve tá chorando; será que ele comeu? Onda….

Sou péssima mãe e se todo mundo perceber que eu sou péssima mãe? Nossa, que horror pensar isso. Será que eu não tô bem? Que horas será que termina isso? É muito bom para ser verdade. Aproveita, Janaína, que saudade que eu tava de mim. Mas melhor eu pegar a ‘saidera’ porque ele deve tá sentindo minha falta. Será que o pai tá dando conta? Vou sair. 

Nossa, que esquerda! É minha saidera. E esse cara aqui do lado? Se ele me der a voltinha vou falar alguma coisa. Onda…

Isso resume mais ou menos meus pensamentos enquanto surfava ondas lindas. Entre uma remada e outra, pensava sobre a culpa que sentia e como ela pesava os  ombros, de fato.

É importante esclarecer que mesmo sabendo que meu filho estava sendo cuidado pelo pai, mesmo sabendo que o pai é cuidadoso, amoroso, responsável, mesmo tendo total ideia de tudo isso, a culpa era incontrolável. 

Nos meus pensamentos era inconcebível que eu estivesse fazendo algo tão prazeroso, enquanto meu filho provavelmente sentia minha falta, ou melhor, a falta do tetê. 

Além disso, recaía sobre meus ombros o peso de saber que meu marido, o que paga as contas de casa, não estava trabalhando. Ao invés disso, ele estava cuidando do nosso filho enquanto eu me divertia. Que absurdo!

Aquela culpa foi crescendo, crescendo, até que não aguentei. Então, olhei para o lado e vi uma das participantes da clínica de surfe. Aquela mulher estava lá porque me conhecia e viu meus stories anunciando minha participação na clínica. 

Então de certo modo me senti à vontade para confessar aquela angústia, que estava quase desencadeando uma crise de ansiedade

“Você não imagina a culpa que tô sentindo agora!”, desabafei. Mas, ela sabia. Como ela sabia!  Afinal, ela era mãe de duas. Então, aquela mãe me acolheu, mas não sem antes alertar sobre a armadilha que era sentir aquilo. 

Acontece que a culpa materna a gente não escolhe sentir, só sente. 

A pior mãe do mundo

Em primeiro lugar não há receita, pois estamos falando do mundo dos sentimentos, assim não há nada racional aqui. Como falei, ninguém escolhe sentir culpa, mas sente. 

Em segundo lugar, há uma mentira contada há séculos que pretende naturalizar a culpa materna que diz: “nasce uma mãe, nasce uma culpa”. Na verdade, nasce uma mulher, nasce uma culpa, mas enfim…

Quando virei mãe ouvi muito isso, e de fato eu provei a culpa materna logo nas primeiras semanas de vida do meu filho.

Não me esqueço. Ele recém-nascido, nós recém-paridos, Antônio começou a chorar e não parou mais. Nada adiantava, nem peito.

Foi quando eu vi uma chupeta, ainda na embalagem, repousando na prateleira, como se não existisse. Afinal, o combinado era não dar bico artificial em hipótese alguma, mas depois de ouvir meu filho gritar por sei lá quanto tempo eu não vacilei: 

“Fi, ferve essa chupeta.”

Prontamente ele me atendeu. Coloquei a chupeta na boca do Antônio e assim que ele deu a primeira ‘chupetada’ eu despenquei no choro. 

O coitado do pai não entendeu absolutamente nada. Filipe me olhava sem saber o que dizer, enquanto eu chorava e falava “eu dei chupeta, eu vou estragar a pega, e se ele não mamar no meu peito”.. E chorava como se eu fosse a pior mãe do mundo e talvez naquele momento eu fosse mesmo. Porque é isso que a culpa faz com a gente. 

Assim sendo, o saldo desse episódio é no mínimo didático, de modo que o Antônio nunca quis chupeta e não larga o meu peito até hoje. Ou seja, aquela culpa foi inútil, completamente inútil. Como quase todas as culpas maternas são.

Como evitar a culpa materna

Isso não é receita de bolo, mas cabem algumas dicas da rainha da culpa:

  • aprenda a identificar o sentimento de culpa;
  • confie nos seus instintos e não se apegue aos conselhos de familiares e amigos;
  • tente acolher a culpa, entenda que ela é parte de uma dinâmica cruel, na qual o sistema patriarcal se sustenta;
  • leia sobre machismo e patriarcado, isso vai te ajudar a conseguir acolher a culpa materna com menos dor;
  • peça ajuda, sempre;
  • tente colocar para fora de algum jeito, seja conversando com alguém de confiança, na terapia ou escrevendo em um diário. 

O dia estava lindo e eu morrendo de culpa materna. Foto Pato Surf Fotos / Coolture Life.