O mundial de surf em Portugal está reverberando até hoje por aqui. Portanto, separei razões que fizeram da competição algo extraordinário e, ao mesmo tempo, revelador.
por Janaína Pedroso
Ah se o mundo soubesse como o surf é incrível, possivelmente muitos mistérios seriam desvendados e dificuldades dissolvidas.
Haveria mais páginas dos grandes jornais reservadas às notícias do mundo das ondas verde-azuladas-amarronzadas e demais tons, ao invés de campos de grama. Seríamos pauta.
Eventos de base e incetivo às crianças e jovens não faltariam. Patrocínios seriam distribuídos sem mesquinez. Donos de marcas que lucram com o lifestyle, estariam revertendo verdinhas à modalidade.
Finalmente, ondas e picos seriam severamente protegidos da curiosa sociedade que insiste em crer num modelo econômico que valoriza mais o capital do que a própria força de trabalho, e explora recursos naturais como se fossem jamais exauri-los.
Mistérios desvendados em Portugal
Mas porque o recente evento mundial de surf em Portugal é tão estratégico no sentido de esclarecer pontos relevantes sobre toda essa engrenagem chamada surf?
Para exemplicar, separei alguns tópicos:
1. Talentos incríveis surgem a todo tempo
Caity Simmers, 17 anos, e João Chianca, de 21, foram os vencedores da etapa mundial de surf em Portugal, Peniche. O sugestivo nome do pico, Supertubos, não é à toa. O local é capaz de produzir os canudos mais desconcertantes desse horizonte salgado chamado oceano.
Pesada, fria, imprevisível, a aparentemente inofensiva Peniche parece ter vida própria, e como tem! Mas surpreendentemente foi ver que dois jovens, supostamente com menos “rodagem”, foram os que se saíram melhor em um cenário onde, espera-se, que a experiência seja primordial. E na verdade é.
O ponto aqui é outro. Caity e João são simplesmente brilhantes. Basta ver o que fizeram nessa etapa.
Quem move a engrenagem do cenário competitivo mundial são os talentos. É lindo ver como essa fonte é inesgotável, basta investimento, visão e respeito. Que os surfistas sejam valorizados, porque no final do dia, são eles os grandes personagens do show.
2. O corte é coisa mais inapropriada que a liga criou até hoje
O polêmico corte no “meio” da temporada, que tira chance de parte do ranking seguir concorrendo ao título mundial, é uma bobagem. João Chianca é um exemplo claro. Foi cortado e não fossem resultados estratégicos em Saquarema e Huntington Beach, o atual talento, arrisco dizer até, o mais expressivo nome da atualidade estaria fora. E Supertubos jamais teria sido palco para a vitória ilustre do jovem campeão do mundial de surf em Portugal.
Sem falar na pressão absurda que cai sobre os ombros do atletas, que já lidam com inúmeras adversidades. Como sabemos, as regras de avaliação e critério de notas no surf são subjetivos e, por isso, corriqueiramente observam-se enganos nesse sentido.
Aliás, saúde mental no surf é pauta nova, apesar de alguns exemplos como Andy Irons, Sunny Garcia, Dayne Reinolds e Medina. De maneiras e razões diferentes, todos eles acabaram revelando como é fragil a mente humana. Fragilidade essa que pode ser potencializada diante de um ambiente extremamente competitivo, em que as regras por vezes parecem não serem claras, dando margem à injustiças.
Por fim, erros e acertos são cometidos e celebrados o tempo todo. Aqui não vale crucificar uma liga que pretendia talvez causar mais frisson, mais disputa. Espero que em algum momento o corte seja revisto, remodelado, quem sabe, ou simplesmente ignorado.
3. O surf tem um potencial assustador
O surf é belíssimo e tem um potencial assustador. Basta ver as fotos do evento em Portugal para entender que a plasticidade da modalidade vai além da prática e grandes performances. Temos a natureza e o oceano como parceiros, praticamos em diferentes paisagens. Estamos o tempo todo sendo desafiados pelas condições naturais e climáticas. Temos a resiliência proviniente da necessidade de adaptação, ora grande e tubular, ora fraco e gordo. Ora espetacular e perfeito, ora irregular e assustador. É preciso apenas aceitar as imperfeições do surf, como acontece com cada um de nós, o tempo todo. Não há condições perfeitas, mas a condição que se apresenta, e dentro dela, surfstas e espectadores devem admirar e performar como lhe cabem. No final das contas, o surfista não é de forma alguma o único protagonista dessas etapas mundiais.
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