A Natureza é soberana, o homem não. Ontem mesmo estava aqui falando sobre fotografia e o registro de um Oceano potente, de muitos tons e que, certamente, tem vida própria. Para hoje, externar o que senti ao abrir os olhos para testemunhar a tragédia de Maui em chamas.
Respirei. Não acreditei no que vi. Imediatamente pensei no fôlego que faltaria àquela gente. E aqui refiro-me à falta de ar, o inalar da fumaça, e à coragem tão necessária para reconstruir lares, negócios e vidas inteiras.
A ideia do fogo me assusta e não ouso imaginar um fim pior do que este.
Por sorte, acaso ou destino estamos aqui vivos para falar do que já foi. Eu escrevendo e você lendo, ouvindo essa espécie de desabafo inútil, pois diante da tragédia o supérfluo inexiste.
Honestamente não é confortável para mim escrever sobre tragédias deste tipo. Não me agrada o papel da jornalista-abutre, que se debruça em sangue ou dor em troca de acessos.
Entretanto, minha psique, que contribuiu um bocado para me tornar jornalista (como a curiosidade exagerada, o olhar crítico, a desconfiança prévia e o desejo latente de comunicar), aguçou-se.
Então, após assistir à meia dúzia de vídeos com chamas estratosféricas, saber que gente pulou no Oceano em busca de vida e ouvir a governadora dizer sobre falta de leitos, farejei por contatos e testemunhas oculares da catástrofe que fossem capazes de dizer, com detalhes, sobre as horas de horror.
Não demorou muito para que as redes me ajudassem, sem que fosse necessário acessar contatos. Assim, depoimentos como o de Pedro Robalinho e Yuri Soledade invadiram minha tela de celular.
Neste momento, a jornalista desapareceu. A surfista, que enxerga ambos como “ídolos” e pessoas as quais admira, simplesmente entristeceu, calou.
Em resumo, não anda fácil se manter no modo good vibes (tão vendido pela indústria do surf), quando há fatos que fazem desse mundo, como o conhecemos hoje, um lugar pouco feliz.
Contudo, certamente, Maui vai ressurgir como Fênix e, em breve, voltará a abrigar a comunidade que tanto a admira. Vai ficar tudo bem por lá.
Já por aqui não. Os nossos incêndios diários não tendem a arrefecer. Por sinal eles queimam quase em silêncio. Tampouco atraem a atenção do mundo.
Não há sirenes da brigada, só o barulho do sobrevoo dos helicópteros que ao contrário dos de Maui, não buscam por vítimas.
Opostamente à tragédia de Maui, aqui é o aparato do Estado quem promove cenas de dor, justificadas pela esquizofrênica teoria da guerra às drogas. E assim a vida segue parecendo ser normal.
Vez ou outra a fagulha do fuzil erra o alvo e parte da sociedade entristece. Porque parece que é só isso que a gente sabe fazer diante da incoerência e do desrespeito do cotidiano.
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Como sabiamente alerta Ailton Krenak (Ideias para adiar o fim do mundo, 2020) “Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida”.
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