Entrevista

Tudo começou com um pesadelo. Os sonhos recorrentes que assombravam Oseias Castro – talvez o único instrutor de Ioga Caiçara –, o levaram a procurar respostas. “Eu não podia respirar. Era sempre o mesmo pesadelo, estava submerso e não conseguia chegar à superfície”.

Oseias, 37 anos, é nascido na Vila dos Pescadores, Picinguaba, onde vive até hoje. Depois de viajar à Índia para formação em Ioga, ensina a prática por meio de retiros chamados “Surf Ioga”.

Na entrevista a seguir, ele me conta como foi que uma falta de ar “ilusória” o levou à Ioga, seu passado ligado a excessos e de como surfar está relacionado à meditação.

Por Janaína

Oseias . Foto: @pato.vacc.

Você saiu da Vila de Pinciguaba para ir à India se tornar um instrutor de Ioga. Como foi isso?

Na minha juventude, até os 25, me sentia muito pleno. Mas, dos 25 aos 33, foi uma fase que comecei a me conectar com coisas materiais, queria ganhar muito dinheiro e achava que ser feliz era isso.

Foi quando comecei a ter uma situação financeira melhor.  Então, comecei a “surfar” uma onda de gastar dinheiro, ter roupas caras, sair com várias mulheres, muito sexo, uma coisa bem carnal. Por isso, me faz lembrar até um pouco Sidarta, me sinto um pouco como ele. Sidarta nasce na espiritualidade e tem um momento da vida que ele desconecta de tudo e vai viver na luxuria.

Quando fiz 33 estava em Trinidad, Cuba, e foi lá que me dei conta de que meu estilo de vida não me trazia felicidade. Não me preenchia, não mantinha meus pés firmes no chão, nem minha cabeça erguida.

Nunca havia pensado praticar Ioga. Até que minha situação emocional piorou e passei a ter pesadelos recorrentes. Sonhava que estava debaixo da água e não conseguia chegar à superfície. Acordava sufocado, era angustiante. Então, contei a uma amiga e ela me indicou um lugar. “Você precisa reaprender a respirar”, dizia ela. Fui pra São Paulo e acabei fazendo um curso sobre técnicas de respiração da “Arte de Viver”. Eu não sabia, mas já estava em outro caminho.

Índia e o mergulho profundo

Como foi a decisão de ir à Índia?

Não tive escolha, já que foi tudo acontecendo. Passei por um retiro espiritual, onde permaneci em silêncio por três dias.  Foi intenso, chorei muito, passei por processos muito fortes. Assim que acabou o retiro e liguei meu celular, abri o aplicativo de mensagens e na primeira “conversa” encontrei um link: “Formação para Professores de Ioga na Índia”. Tomei aquilo como um sinal e sem pensar comprei a passagem. Mas, na época, não tinha intenção de ser instrutor.

Por fim, em janeiro de 2018 eu estava na Índia. E foi o grande “pulo do gato” na minha jornada espiritual. Porque lá comecei a entender o que de fato é Ioga. Tive contato com traduções de escrituras milenares, mas não vou mentir pra você: muita gente me desaconselhou, dizendo que eu não estava preparado, que eu sofreria. Confesso que eu pensei em desistir.

Mas, de última hora decidi ir e foi transformador. Foram dois meses intensos. Me formei na “Sri Sri School of Yoga”, lá mergulhei nos caminhos do Hatha Yoga; Raja Yoga; Gyana Yoga; Karma Yoga; Bhakti Yoga. Além de técnicas de respiração para ir além do tapetinho. Foi um desabrochar da minha consciência, um divisor de águas.

E sobre o início das aulas como instrutor, como ocorreu?

Voltei pra Ubatuba, pensei: “Bom, vou voltar e compartilhar isso”. Afinal, estava com uma bagagem gigantesca, não podia guardar pra mim. Porque, inicialmente, era essa a intenção, entender e aprender a lidar com as minhas emoções.

Mas, começar é difícil e comecei do zero aos 35 anos. Iniciei a nova caminhada, que seria meu meio de vida. Acreditei e fui corajoso, hoje vejo. Mas, meus amigos me ajudaram e comecei com aulas particulares, na Fazenda da Ressaca.

Agora faço retiros de “Surf Yoga”, em Picinguaba e compartilho o que sei por onde passo.

Respirar para viver melhor. Foto: arquivo pessoal/ Fazenda da Ressaca.

Surfar e meditar: qual a relação?

Fala-se muito sobre o surfe ser um esporte “mágico” no sentido de estar ligado à Natureza, mas também pode ser visto apenas como mais uma prática esportiva. Qual sua opinião sobre isso?

Acredito que a essência do surfe esteja muito ligada à espiritualidade e costumo dizer que surfar é meditar na água, um ambiente que propicia o acesso à reflexão e autoconhecimento.

Porém, não são todos os praticantes que ao surfarem estão atentos a isso. Amo surfar e surfo desde garoto. Ubatuba me deu isso de certa forma e devo muito a este lugar. Mas, de fato, há muitos praticantes que estão “dormindo” neste sentido. E em todos os campos é assim, é preciso entender que cada ser está em um momento.

Seja feliz

Você acredita haver um excesso de pessoas e cursos oferecendo felicidade hoje em dia?

Honestamente, não. Mas, se essa “oferta” estiver verdadeiramente relacionada ao autoconhecimento, pois hoje conhecer a si mesmo não é mais uma escolha, é necessidade. Só através do autoconhecimento é possível lidar com questões mais complexas. Por outro lado, o que vejo é que hoje há uma total desconexão com o que realmente importa, e isso causa uma espécie de “desregulamento” de todo o sistema.

As pessoas estão projetando felicidade sempre no futuro e esquecem que o único momento que podemos ser felizes é agora. Não existe outra coisa que não seja o agora! Corre-se atrás de dinheiro, mas perde-se a saúde e depois se usa o dinheiro para recuperar a saúde, não é uma matemática inteligente.

Mas também é importante lembrar que valores opostos são complementares. Desse modo, ter isso em mente facilita na maneira como aceitamos as diferenças.

Pingue-pongue zen

Vou te falar uma palavra e você me diz o que vem a sua mente:

Yoga – a vida

Água – fonte da vida

Respiração – vital

Política – meditação para os políticos

Ubatuba – Natureza

Divino – está em cada um de nós

Autoconhecimento – necessidade


Partiu, surfar e meditar?! 😉